Dúvidas em um dia de angústia
Um dia nós só quereremos parar…
Somos seres sociais. Temos obrigações e devemos cumprir regras que nos são dadas e que pedimos. Sou psicólogo. Administro uma empresa de psicologia. Sou marido. Sou filho e irmão. Amigo também sou. E quando, simplesmente, desejo largar o instrumento que amei a vida inteira para parar de tocar a música no meio do refrão? E se eu não quiser ouvir aquele desabafo mais especial, no momento mais difícil de outrem?
Queremos ser melhores e reconhecidos por isso. Assim criamos rótulos e desejamos fazer a nossa descrição ser vista como aquela mais desejada. Queremos ser amados por todos e alegrar a todos, porque somos quem somos. Porque curtimos aquela foto que prega a justiça. Somos justos! Seguimos aquele perfil que grita por honestidade e força. Somos lutadores!
Hoje me dei conta de que eu não consigo 1/10 das coisas que me proponho. Muito gentil comigo mesmo ter escolhido essa proporção. Sou psicólogo e, pela primeira vez, duvidei da minha capacidade de dar conta de todas as minhas responsabilidades. Escrevi outrora em uma postagem no instagram do sherpa, “O psicólogo compartilha da tua dor, tem família, respira o mesmo ar que o teu, mas o compromisso não cessa de, junto contigo, encontrar luz neste momento tão escuro.”, não me dei conta do que tinha escrito até o dia de hoje. O compromisso é grande e não cessa!
Eu despertei, lembrei da frase e tremi. Tremi porque me dei conta de que o rótulo e o compromisso não são palavras ao vento. E de que eu não sou só psicólogo, lugar onde toda angústia começou. Administro uma empresa. Sou marido. Sou filho e irmão. Amigo também sou. No mesmo instante, minha esposa entrou no quarto pedindo, “pelo amor de deus”, que eu jogasse UNO com o seu sobrinho que estávamos acolhendo porque sua mãe estava em um compromisso urgente. Eu só queria correr.
Então, minha mãe mandou uma mensagem querendo tirar umas dúvidas a respeito do aplicativo da sua conta bancária. Uma psicóloga queria conversar a respeito do seu contrato da clínica, afinal estamos em uma pandemia. Meu melhor amigo também é meu sócio e estávamos debatendo um projeto que está aguardando a minha revisão para iniciar. Eu não tinha para onde correr. Então, virei a chave, passei cobrar os textos dos outros colunistas deste blog. Pensei uma solução para aquela psicóloga. E “acordei” com a minha esposa perguntando “então? vamos jogar UNO?”
Desliguei tudo e levantei no automático com cara de quem pedia socorro a uma câmera escondida em algum ponto da minha casa, como no “Show de Truman”. Joguei. Esqueci de tudo por alguns minutos. Relembrei daquela angústia quando, na hora de dormir, falei algo que eu esqueci no momento em que as palavra saíam da minha boca que magoou a minha esposa. Sentei na ponta da cama. Não chorei, não desabafei com ela, não falei que estava sem condições de ser naquele momento. Apenas silenciei para que as coisas não piorassem. Como falar para alguém que está magoada que você não faz ideia do que acabou de falar a 2 minutos e que a magoara tão fortemente?
Virei a chave. Saí do quarto.
Sentei na mesa do escritório e lembrei que ainda não tinha escrito o texto da minha coluna.
Eduardo Almeida Quezado Fernandes: Psicólogo (CRP: 11/11427) e Diretor do Instituto Sherpa. Para dúvidas, sugestões ou comentários você pode enviar um e-mail para eduardoquezado@institutosherpa.com.br ou no instagram @psico.eduardo.quezado