Impactos do coronavírus nos relacionamentos

Como a crise do coronavírus pode impactar os relacionamentos

Reflexões sobre os impactos do isolamento social

Adriano Frota @adrianofrotapsicologo

 
Macau Photo Agency

Não são raros os momentos em que muitos de nós nos pegamos com a realização de que estamos vivendo uma crise de saúde de proporções maiores do que temos capacidade emocional de processar. Agora, a maioria dos profissionais de saúde se situa na luta para manutenção da vida e nós, que assistimos, estamos vulneráveis às ansiedades que o medo da morte escancara diante de nossos olhos.

Para muitos, pedir para respirar um pouco e tentar se acalmar parece um desaforo, de tão difícil. Para outros, isso não é lá grande coisa e estamos todos exagerando. Parece familiar? É que tem algo que não temos conversado nesse momento de isolamento obrigatório. A liberdade e o consentimento são características essenciais da vida saudável. Privados disso, começamos a sofrer.

É um sofrimento diferente daquele, por exemplo, de uma perna quebrada, uma garganta inflamada, ou uma enxaqueca. Você ainda consegue andar, falar e ficar pé – na maioria das vezes. É um sofrimento silencioso, uma dor que você se acostuma, afinal “não te impede de sobreviver”.

É verdade que temos que nos proteger da morte, mas enquanto fazemos isto, estamos vivos e nos lembramos de quando tínhamos liberdade. De trabalhar do jeito que trabalhávamos, de sair como saíamos, ou, se você é como eu, de ficar em casa, mas só por que de vez em quando é gostoso fazer isso.

Escolh​er e ter a capacidade de escolher…

 
Jon Tyson

Escolher e ter a percepção de que podemos escolher é uma das experiências mais significativas para o desenvolvimento de uma boa saúde emocional. Pare e pense um pouco naquilo que mais te aflige, ou numa dificuldade que você superou, mas exigiu muito esforço. Reflita no quanto você tinha escolha naquela situação, ou no quanto você achava que não tinha. Provavelmente perceberá que lá estava a maioria das suas dificuldades e o ponto de partida para a superação – que nunca vem sem custos.

Muitas das dores que nos afligem, são aquelas que conseguem emplacar uma sensação de que não temos poder nenhum naquela situação. Já tentamos de tudo e nada deu certo. Tudo, nada, sempre e nunca são palavras que nos assombram sempre que pensamos naquilo que nos causa essa dor. É que sofremos tanto, que não sobra espaço para tentar de novo e a necessidade de mudança parece uma batalha perdida.

Às vezes, encontramos a resposta para aquele dilema. Parece absurdo, mas alguns de nós simplesmente acordamos, tomamos banho e, meio que do nada, a grande crise existencial sumiu pelo ralo junto com a espuma do xampu. É que, de alguma maneira, o sofrimento seguiu seu curso natural e, em bom português, a gente entende que já deu o que tinha que dar.

É ótimo quando isso acontece, mas, se vamos ser sinceros, nem sempre é assim. Em muitos casos precisamos de alguém. É normal precisarmos de ajuda de vez em quando. Mas não é de qualquer ajuda. Lembra que eu disse que essa dor é do tipo invisível? Como ela é invisível, a gente aprende a esconder, a nem mesmo perceber o que está acontecendo. Então se alguém vai nos ajudar, essa pessoa tem que ter alguma qualidade que facilite as coisas, tanto para nós quanto para ela.

 Quando a convivência por opção se torna forçada

 
Mattia Ascenzo

Tudo isso é importante, mas eu quero chamar atenção para o que eu já falei anteriormente: liberdade e consentimento. Muitos de nós estamos vivenciando essa quarentena com outras pessoas, pessoas que escolhemos e permitimos que compartilhem do nosso dia a dia. Vou chamar essa pessoa de um Outro Significativo. Pode ser uma namorada, um marido, uma companheira.

Uma coisa todos eles tem em comum: essa relação não existia antes de vocês decidiram que existisse. Isso significa que existem liberdade e consentimento vividos de forma plena nessa relação, correto?

Seria muito bom dizer, sem sombras de dúvidas, que sim. Mas a verdade é um pouco mais complicada do que isso. Uma breve pesquisa vai te mostrar que a convivência em tempos de quarentena e isolamento social têm sido conflituosa, o número de divórcios na China, por exemplo, aumentando consideravelmente.

Pandemia e Aumento nos Divórcios: Precisamos falar sobre isso

 
Kelly Sikkema

Aqui precisamos parar e respirar um pouco. O divórcio, embora seja visto por muitos assim, não significa necessariamente fracasso ou um desastre. É importante entendermos que, uma relação conjugal, é composta por pessoas com sentimentos reais e em constante mudança, num mundo que muda numa velocidade que nem sempre somos capazes de acompanhar. Então, diante dessas mudanças e da maneira que mudamos frente ao mundo e suas exigências, o exercício da nossa liberdade individual pode nos colocar diante de um impasse: ou mudamos, ou mantemos o relacionamento do jeito que está.

Em alguns casos que acompanho no consultório, a pessoa se vê diante de escolhas difíceis, que não são tomadas da noite para o dia. O casal percebe que aquilo que os unia, já não é o bastante para mantê-los juntos e é o momento de seguir adiante e enfrentar um mundo novo. Sozinhos. Nesses casos, o que ouço é que o divórcio, a separação, a reconfiguração da relação foi crucial para que essas pessoas vivessem melhores. É um processo de tomadas de decisões que envolvem lucidez, maturidade e, sobretudo, tempo para ocorrer satisfatoriamente.

Não duvido que a necessidade de convivência forçada pela pandemia do COVID-19 tenha servido para muitos casais como apenas o catalisador de uma reação inevitável. Uma oportunidade que, embora amarga, serve para lhes mostrar que sua relação está insustentável.

Conviver diariamente pode fazer com que os indivíduos se sintam cada vez menos indivíduos e cada vez mais Casal. Com letra maiúscula. Falta aí um momento para respirar e se perceber sozinho. É aqui que suspeito que as coisas se confundam e casais possam ver suas relações se deteriorando de forma trágica. É que ir para o trabalho, para uma consulta como psicólogo, beber uma cerveja em qualquer lugar, sair com amigos, com amigas, ter um momento para si, sem a presença física do Outro Significativo é mais do que saudável. É algo que todos os casais devem fazer, de acordo com suas próprias regras, para construir confiança e autonomia.

O Desafio da Boa Convivência: Exercício Diário de Liberdade e Consentimento

 
Alex Iby

Essa dança de contato e afastamento está engessada por que o isolamento social nos faz pensar que não há alternativa. Afinal, moramos na mesma casa. Na realidade muitos, um espaço pequeno em muitas possibilidades de afastamento físico um do outro. É hora de usar a tecnologia a nosso favor. Vamos pensar num exemplo dos mais difíceis? Talvez seja o seu. E se os seus amigos e os amigos do seu Outro Significativo forem os mesmos?

Então o jeito é trocar de amizades. Brincadeira!

Falando sério, manter o contato com nossos amigos é um ótimo exemplo de cuidado com nossa saúde emocional. Amigos também são Outros Significativos que escolhemos e estar com eles é exercitar nossa liberdade. Liberdade de escolher com quem conversar, com quem partilhar. Também é um exercício de consentimento. Consentir que o outro se aproxime e permitir que aquela pessoa interfira na minha vida, conforme meus próprios limites.

Antes de tudo, perceba como está a comunicação de vocês. Se os sentimentos estão confusos e muito aflorados tente se acalmar. Você está traçando uma estratégia para lidar com essa situação, afinal o conflito entre vocês pode ser um afeto perfeitamente normal diante de um momento tão difícil.

Se ambos estiverem calmos, conversem sobre o fato de que compartilham do idêntico círculo de amizade. Exercitem escutar como o Outro se sente em relação a isso num momento assim, pode ser diferente do que você espera. Se vocês conseguirem chegar até aqui, eu tenho uma proposta simples. Elejam alguns desses amigos e interajam sozinhos com essas pessoas – pode ser por vídeo chamada, ligação, mensagem, enfim, qualquer coisa que funcione para vocês. Se for necessário, peça ao seu Outro Significativo que lhe dê privacidade nesse momento. Conceda o mesmo privilégio. É pouca coisa, mas esse pequeno exercício é um ponta pé inicial para que você sinta que, mesmo no confinamento da quarentena, pequenas escolhas existem.

Relacionamentos são como investimentos. Eles dão trabalho e, se bem cuidados, sempre dão algum retorno. Felicidade, autorrealização, constituição de família, alguém que vibra com nossas conquistas e nos apoia quando tudo parece dar errado. Descuidar do nosso Outro Significativo é, em certa medida, descuidar de nós mesmos.

Adriano Frota Lima: Psicólogo (CRP: 11/07509) e supervisor clínico. Para dúvidas, sugestões ou comentários você pode enviar um e-mail para adrianofrota@institutosherpa.com.br ou no instagram @acp_na_pratica ou @adrianofrotapsicologo.

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