Fadiga por compaixão: a dor de quem cuida

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A dor de quem cuida

A Fadiga por Compaixão é uma condição que afeta, principalmente, os profissionais de saúde. É o resultado de uma série de respostas emocionais a um cotidiano que nos expõe ao sofrimento alheio.

Quando não podemos fazer nada diante de algo que é importante e doloroso, a frieza, antipatia e a indiferença são respostas emocionais que construímos sem saber.

O resultado de uma exposição prolongada nos gera um estresse que pode chegar a uma fadiga que só aquele que tem empatia, aquela que se compadece pode experimentar.

NÃO É ANTIPATIA DOS PROFISSIONAIS E SAÚDE

Quando alguém se depara com um “enfermeiro antipático”, ou uma médica que parece “ser fria e insensível”, não faz ideia de tudo que aquele profissional passou até chegar neste ponto.

Estes profissionais tem como rotina diária o contato com a dor e, às vezes, com o que há de mais trágico na vida. Trabalhar com saúde é trabalhar com o incerto, é ser necessário e, ocasionalmente, sentir que seu trabalho nem sempre faz a diferença (que você gostaria que fizesse). É saber que o cuidado com o outro exige sensibilidade e, ao mesmo tempo, por mais que haja competência no trabalho, não há garantia de que tudo vá ficar bem no final.

Este é um sentimento com o qual todos nós podemos ter empatia, não é mesmo? Em regra, ninguém planeja ir mal quando faz qualquer coisa. Somos naturalmente levados a buscar o sucesso. Mas falhamos, ou tudo vai mal e sentimos que a falha foi nossa. Avaliamos a nós mesmos e, diante da sensação avassaladora de fracasso, nem sempre voltamos mais sábios.

O que você faria se tivesse que trabalhar todo dia sabendo que, apesar dos seus esforços, ainda terá que ver outra pessoa sofrer? É uma pergunta difícil e nem sempre encontramos a melhor resposta para nossa saúde emocional.

MAS SÃO OSSOS DO OFÍCIO!

 

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Se você é profissional de saúde, pode ser que esteja observando essa fadiga tomar conta, lenta e insidiosamente, e pensando que é o natural. Afinal, foi esta a carreira que escolheu, este é o seu trabalho e, provavelmente, essa aparente insensibilidade seja o preço normal a se pagar.

São ossos do ofício”. É um ditado que significa que as dificuldades no caminho são consequências normais e previsíveis. Isso também significa, e nós não percebemos o quanto isso nos incapacita, que não podemos reclamar. Afinal, se você já sabia onde estava se metendo, com que direito vai dizer alguma coisa?

Este é o primeiro elemento que precisamos cuidar aqui. É a mentalidade que existe em muitos que sofrem com o trabalho de cuidar do outro. Observe essa lógica e me diga se já se pegou pensando assim:

Ninguém me obrigou a estar aqui + preciso trabalhar para viver + eu já sabia dos riscos = o que vier, eu tenho que aguentar.

Antes de me responder, respire fundo. Reflita nesses três mecanismos. Pense na sequência lógica cuidadosamente. É ela quem sustenta muitas decisões erradas quando se fala de bem estar no trabalho.

Vamos simplificar

Embora os três elementos dessa equação sejam verdadeiros, a conclusão não é a única consequência necessária da relação entre eles. Ficou complicado?

1 – “Ninguém me obrigou a estar aqui”: ou seja, você está onde está por ter escolhido; motivado por alguma coisa. Essa motivação ainda está presente? Você precisa repensar?

2 – “Preciso trabalhar para viver”: sim, está coberta de razão. Vamos passar pra próxima. Mas, só para manter meu hábito de problematizar (quase) tudo. Como está sendo essa vida? Dá tempo de desfrutar do que você merece com os recursos que o trabalho te dá? Só por curiosidade mesmo. Seguindo adiante…

3 – “Eu já sabia dos riscos”: eu, sinceramente, acho que não. Nós podemos nos preparar para os eventos prováveis daquilo que vamos fazer. Mas pense bem. Os riscos que você achou que ia encontrar, de começar a trabalhar, se comparam com a vida real? Com as surpresas do dia-a-dia?

Calma. Respira fundo de novo. Responder essas perguntas pode ter te causado alguma ansiedade. Você pode estar pensando que é hora de largar seu emprego, aposentar o jaleco e abrir uma hamburgueria, ou algo do tipo. Nada contra, mas não é o momento para ser impulsivo.

O que eu quero te mostrar aqui, é que tem uma lógica para você sentir tanto cansaço emocional. E, enquanto nós não cuidarmos dessa equação, o resultado será sempre o mesmo: uma sensação sem fim de que esse sofrimento não tem jeito. E se você não se sentiu contemplado com esse exemplo, reflita nas crenças que vem na sua cabeça sempre que se convence que seu sofrimento é algo inescapável.

Se você entender isso aqui, de tudo que eu escrever, terá entendido o principal: o sofrimento emocional só é terrível quando encontra uma casa dentro de você; são suas próprias crenças que o alimentam e só elas podem te ajudar. É um trabalho difícil, mas vale a pena.

A Fadiga por Compaixão não é como uma gripe, ou um cansaço comum. É um cansaço construído, duradouro, persistente. Empatia, compaixão, sensibilidade, são ossos do ofício para quem vive do cuidado com a saúde do outro. Afinal, seu corpo, sua inteligência e sua afetividade são os seus três instrumentos de trabalho mais preciosos.

Se seu braço quebra, você pode até continuar trabalhando, mas vai tratá-lo. Se surge uma doença nova, uma nova teoria, algo que você não está preparado, vai fazer um curso, compra um livro, estuda artigos sobre o tema. Do corpo e da inteligência você cuida. São ossos do ofício.

Então…

E A SENSIBILIDADE? A COMPAIXÃO?

 

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Na Fadiga por Compaixão, o estresse é um fator fundamental. É estressante para qualquer um tratar uma dor, mesmo quando tudo acaba bem. Alguns de nós desenvolvemos respostas mais adaptativas, mas pode não ser o seu caso. Então vamos começar por elas?

O que seria uma resposta mais adaptativa para a experiência diária de cuidar de pessoas que estão sofrendo? Primeiro entenda que o sofrimento que você sente é seu. Parece bobagem, eu sei. Mas confie em mim. Nomeá-lo como um sentimento que existe e, além disso, tomar posse de algo que você sente é o primeiro passo para não ser dominado por ele.

A preocupação que você sente diante disso que não pode mudar é real. E é sua. Este é o primeiro passo e não se assuste se você não conseguir de primeira ou tiver que voltar para ele. A busca pela saúde emocional é uma maratona que não segue em linha reta.

Segunda resposta mais adaptativa. Seus sentimentos são válidos. Outro pequeno passo. Às vezes, precisamos do outro para validar nossos sentimentos. Acontece assim: alguém diz “eu estou arrasado com o que aconteceu ontem, tento esquecer, mas não consigo.” Subitamente, você se sente com vontade de compartilhar que sente algo parecido, não está arrasado, mas também ficou triste. Acredite, se você está sentindo, e todos viram a mesma coisa que você, é muito provável que todos tenham se afetado. Mas estamos todos à espera da pessoa que quebra o silêncio. Por quê? Por que falar do que sentimos valida para nós essa experiência, nos mostra que isso é real e não estamos sendo fracos, inventando ou exagerando.

Uma terceira resposta mais adaptativa. Acho que você não vai gostar muito dessa. Se afaste. Não de cara. Não de qualquer jeito. Às vezes é preciso tempo, ar, espaço. É como se você tivesse aberto trezentas abas na mesma janela do seu navegador. Não dá pra acompanhar tudo ao mesmo tempo. E você pode não ter gostado muito dessa resposta, por que nem sempre podemos simplesmente ir embora. A Fadiga por Compaixão é a dor de quem sabe que o outro precisa de ajuda.

Quando estamos estressados, às vezes invocamos a memória tudo que nos faz mal. Pode parecer estúpido, mas nosso cérebro escreve certo por linhas tortas. É que ele está procurando em experiências similares respostas que se encaixem ao que está acontecendo agora e, coitado, esquece que você precisa estar calmo para tomar uma decisão acertada.

É isso o que o estresse faz conosco: ele nos coloca em estado de alerta para tentarmos encontrar uma solução.

Quando eu digo “se afaste”, te peço para se esforçar em tentar priorizar quantas abas precisam estar abertas no seu navegador naquele momento específico. Parte da sua fadiga, vem da sensação de fracasso inclusive em conseguir lidar bem com suas próprias emoções. Como a quantidade de estímulos é absurdamente maior do que sua capacidade de processar as informações, o fracasso é iminente. Se afaste de tudo que não tem a ver com o que você está vivendo e sentindo no momento presente. Ou tente. Vá tentando e não desanime. Eventualmente você conseguirá desenvolver essa resposta adaptativa.

E, quando puder, lembre-se: existe um motivo para que você tenha direito a férias.


Adriano Frota Lima: Psicólogo (CRP: 11/07509) e supervisor clínico. Para dúvidas, sugestões ou comentários você pode enviar um e-mail para adrianofrota@institutosherpa.com.br ou no instagram @acp_na_pratica ou @adrianofrotapsicologo.

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